7 de abr. de 2010

A PRÉ-HISTÓRIA DO PIXO : CÃO FILA KM 26

Aqui está uma matéria muito interessante que transcrevi da revista Veja, datada de 1977, que conta um pouco da intrigante história de um dos precursores, para alguns, da pixação em terras nacionais. Tozinho e seus letreiros feitos a tinta e pincéis numa caligrafia pouco caprichada certamente fizeram história e entraram na lembranças de muitos brasileiros e escritores urbanos.

Segue, na íntegra, toda a brilhante reportagem. Por isso não se estranhem se encontrarem sifras em cruzeiros ou uma caligrafia diferenciada da época, afinal no Brasil, a língua portuguesa sofre, de tempos em tempos, retalhações e mudanças muitas vezes inúteis.


CÃO FILA KM 26 - VEJA, 1977

Muros, pontes, viadutos, mourões, pedras, barrancos - praticamente não há superfície sólida no país a salvo da rústica, enigmática inscrição “Cão Fila km 26”. De São Paulo, alastrou-se por outros estados e, hoje, aparece até na região portuária de Manaus. “O cão de fila vai ficar conhecido como banana” sentencia Antenor Lara Campos.

O “Tozinho”, de tradicional e abastarda família paulistana. Em seu modesto e caótico escritório, numa ilhota particular da poluía represa Billings, à altura do quilometro 26 a Estrada de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, alfinetes de cabeça colorida assinalam em mapas pregados nas paredes a expansão nacional as inscrições. “Estudei táticas de guerra em livros e revistas”, explica ele. “É preciso atacar pelos flancos para fechar o certo”. Talvez por isso mesmo, Tozinho se viu sitiado algumas vezes pela suspeita das autoridades.

Em longas e lentas sortidas, numa camioneta carregada de latas de tinta, o excêntrico propagandista que se incumbe pessoalmente da pintura, chegou mesmo a ser tomado por agente subversivo. Tanto que, aos ensinamentos tomados a arte marcial colheu outros, na seara das ciências jurídicas. Aos que o interpelam com suspeitas replica brandindo um inseparável exemplar o Código Penal: “Mostra aqui onde é que eu estou errado”.

Canhões – Cerca de 60% dos que lêem as inscrições, admite Tozinho, não as entendem. “Mas, de uma forma ou de outra, as pessoas acabam chegando aqui.” Isto é, à sua ilhota particular. Sede da Associação de Criadores de Fila Brasileiro, por ele mesmo fundada em 1972, e centro de suas atividades cinófilas, onde mantém um canil com 160 animais daquela raça. Ele alega receber cerca de 600 visitantes por mês, daí resultando em média, a venda de vinte filhotes, a 7000 cruzeiros por cabeça.

Um apreciável resultado para tão primitiva modalidade publicitária, já praticada, em outros tempos, pelas Casas Pernambucanas e Casas Buri. Foi num precedente mais antigo, entretanto, que Tozinho confessa ter se inspirado. “Na verdade, baseei-me nas campanhas eleitorais de Adhemar de Barros. Até hoje ainda se encontra o nome dele pintado em pontes e lugares semelhantes. “A escolha dos locais, de resto, requer fina sensibilidade mercadológica. O Corcovado e o Pão e Açúcar, por exemplo, encontram-se a salvo das investidas de Tozinho: “Só estrangeiros aparecem nesses lugares”. Os canhões do forte e Copacabana, contudo, estão em sua mira. Assim que a área for liberada à construção de prédios, ele atacará de tinta, pincel e Código Penal.

A pouco mais e 70 quilômetros e Copacabana, por sinal, em Barra de Gauratiba, no Estado do Rio de Janeiro, desenvolve-se outro florescente negócio desse mesmo ramo – o Consorcio Marajó, criado em setembro do ano passado, dedicado exclusivamente à comercialização de cães de fila. A idéia partiu o relações-públicas carioca Armando Brando.

Inspirado num consorcio que um industrial paulista formou com amigos para explorar o cavalo “Falkland”, reprodutor importado da Inglaterra, o loquaz Brando articulou seis amigos seus para, em consórcio, explorarem o reprodutor “Yandu”, cão fila brasileiro de boas características, criado por ele em seu sítio em Gauratiba. Hoje, o consórcio, para o qual cada membro contribuiu com 5000 cruzeiros, conta, alem de “Yandu”, com mais um reprodutor e três fêmeas. Já foram vendidos oitenta filhotes, à medida de 5000 cruzeiros cada, e há 126 cadelas na fila para serem cobertas por “Yandu”, a 10000 cruzeiros por tarefa. Resultado de sucessivos cruzamentos entre o mastim inglês, o bloodhoun e o buldogue, o fila brasileiro, segundo Brando, é vitima ainda de injusta fama de ferocidade. Um dos objetivos do comercio é convencer o público de que o fila é dócil, bonito e de manutenção barata. Uma mensagem excessivamente prolixa, por certo, para as sintéticas inscrições que seu colega Tozinho pretende pintar até nos canhões o Forte de Copacabana.



Brando e seu cão "Yandu"


"Cão Fila K 26": Publicidade ''tosca" mas eficiente

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