5 de nov. de 2010

ENTREVISTA PAUL MACCARTNEY NA RS


Quando veio pela primeira vez ao Brasil, em 1990, Paul McCartney entrou no Guinness, o livro dos recordes, por colocar mais de 184 mil pagantes no Maracanã. Na segunda passagem por aqui, em 1993, ele tentou se esconder em um condomínio fechado no Guarujá, mas equipes de TV se infiltraram de barco e helicóptero na isolada área residencial. Em 2010, o panorama não é muito diferente: em pouquíssimo tempo a organização local da Up and Coming Tour viu 180 mil entradas evaporarem rapidamente, compradas por fãs ávidos.

Entre as três passagens, algo em comum: a chama do fanatismo que o ex-beatle ainda consegue manter acesa (mesmo que não intencionalmente). Na entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, concedida antes do desembarque por aqui, McCartney fala sobre o grande desafio de se manter humano em um mundo que teima em elevá-lo ao status de lenda.

Abaixo, um trecho da conversa que poderá ser lida integralmente em nossa edição 50 (nas bancas a partir de 8 de novembro).

Como funciona a sua seleção de repertório para as turnês? Você tem mais de 50 anos de músicas para escolher. Certamente muita coisa fi ca de fora. Você sofre fazendo isso?

Não é ruim, é um processo meio interessante. Eu começo pensando: "Se eu fosse a esse show, o que eu gostaria de ouvir a banda tocar? O que eu gostaria de ouvir o Paul cantar?" Começo com essa lista, e há algumas canções que são meio óbvias. Eu provavelmente gostaria de ouvi-lo cantar "Let It Be"... Esse tipo de coisa. Então existe essa lista das que você não poderia deixar de fora. E aí surge uma segunda lista, de coisas novas que podemos fazer para surpreender a plateia, para manter as coisas frescas. Misturamos essas duas listas. E aí tem uma terceira lista, que tem as músicas que nós gostaríamos de tocar, sabe? Sem nos importarmos com o resto, as coisas das quais simplesmente gostamos. Juntamos tudo isso e ensaiamos todas as músicas que escolhemos, e às vezes os caras da banda dizem: "Oh, talvez devêssemos tentar esta aqui..." Todos podemos sugerir. Depois dos ensaios, vemos quais [músicas] ficaram melhores. Normalmente somos eu e o nosso cara dos teclados, Wix, que é o nosso DM, diretor musical. Na reta fi nal dos ensaios, nos sentamos e vemos qual será o set list e o escrevemos. No último dia de ensaio, tocamos esse repertório para que cada um saiba qual
guitarra [usar], para que os caras da técnica saibam o que está acontecendo. E é assim que fazemos!

Houve uma fase, no começo dos anos 70, quando você não tocava músicas dos Beatles com o Wings...

[Interrompendo] Sim, é verdade.

Como era tocar só músicas novas para um público que talvez estivesse esperando sucessos dos Beatles?

É, bem, foi... Foi muito bom porque determinamos essa regra, já que estávamos tentando estabelecer algo novo com o Wings. Eu queria, antes de tudo, fazer com que o Wings tivesse sucesso por mérito próprio. Eu não queria usar as músicas dos Beatles, queria que tivéssemos uma identidade particular. Depois que conseguimos isso, por volta de 1976, depois do Band on the Run, me senti mais confortável. Mas, sim, você percebia que a plateia gostaria que você tocasse músicas dos Beatles. Só que eu achei que essa seria uma saída fácil e não queríamos fazer isso com o Wings, então criamos a regra para, mais tarde, podermos começar a tocar faixas dos Beatles. Como já fi z isso [no passado], é muito libertador poder fazer o que eu quiser hoje, posso escolher qualquer música. Provei algo.

Por falar em tendências, parece que existe uma nova nas turnês: o Roger Waters está fazendo uma do The Wall (1979), os Rolling Stones já falaram sobre fazer uma do Exile on Main Street (1972). O que você acha disso? Faria algo do tipo?

Quer saber? Eu não me interesso por isso. Já me perguntaram se eu faria o Band on the Run. E eu toco muitas músicas dele, mas... Não sei, sinto que se eu tocasse só esse disco seria uma apresentação interessante, mas haveria tantas músicas que eu teria de deixar de
fora e... Eu não gosto de colocar essa pressão em mim mesmo. Não é uma ideia que me interessa o bastante porque a acho um pouco restritiva. Gosto de poder escolher o que me der na telha, o que eu quiser tocar. Mas acho que faremos algumas coisas agora, com o relançamento de Band on the Run. Acho que tocaremos mais canções do disco. Só que a ideia de tocar só esse álbum... Não sei. Se os Stones tocassem só o Exile, seria uma noite divertida - mas eu provavelmente fi caria meio decepcionado por eles não tocarem "Honky Tonk Women" ou "Satisfaction". Sabe? Eu gostaria de ouvilos tocar essas músicas também.

Tenho uma teoria: se você quisesse, poderia passar o resto da vida sem ter de trabalhar, vendendo autógrafos. Com um por dia, você ganharia cerca de mil dólares a cada 24 horas. Seria só rabiscar um papel, simples assim. Não é um pensamento assustador?

Sim, pense em fazer apenas isso para o resto de sua vida. Quero dizer, como seria tedioso... Entendo o que você quer dizer, mas não dá para pensar assim. Isso passa pela sua cabeça uma vez, você pensa: "É, seria incrível". Mas na verdade não é algo que você gostaria de fazer. Eu amo a música! Música é o que me deixa feliz. Conheci alguém ontem que explicou isso muito bem, ela disse: "Eu não conseguiria respirar sem música". Achei muito legal, disse que entendia o que ela queria dizer. Acho isso muito verdadeiro e acho que muita gente sente isso. É algo mágico que os humanos desenvolveram, é muito especial para muita gente. É algo que cura. Uma das coisas de que mais gosto é quando me encontro com alguém e a pessoa me diz: "Eu estava doente e escutei a sua música, que me fez melhorar". Penso: "Uau! Que legal".

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