Pra inglês ver O que pouca gente que ojeriza o pixo por aqui sabe – e ttsss..., que será vendido em Berlim, Nova York, Amsterdã, Paris, Madri e Barcelona, vem para ajudar a consolidar – é que a pixação virou artigo de exportação. Para se ter idéia da admiração dos gringos, tem um dinamarquês que está usando São Paulo como apelido e está bombardeando a Europa com letras no estilo daqui. "Acho que lá fora o livro terá uma puta repercussão porque, além da tipografia ímpar, do traçado louco, mostra a riqueza desse tipo de arte que é tão de vanguarda e desobediente a ponto de não ser aceita. Assim como os impressionistas, quando surgiram, não eram aceitos nos salões oficiais de Paris. Os pixadores são os novos Gutenbergs [alemão considerado o inventor da tipografia]", acredita Xico Sá que, quando perguntado que alcunha usaria se fosse pixador, depois de refletir um bocado, responde: "Estou em dúvida entre vários nomes de terroristas, mas eu mandaria um Korisco, em homenagem ao cangaço e a Glauber Rocha".
"A pixação é valorizada fora do Brasil porque tem uma estética única. Acho legal porque esse tipo de letra é uma parada criada em São Paulo", afirma Boleta. Já quanto à repercussão em território nacional, a coisa muda. Xico Sá acha que por aqui "muita gente vai estranhar, pois insistem em tratar o assunto como vandalismo e bandidagem. A onda oficial e até das ONGs é transformar o pixador em grafiteiro como se o grafite fosse uma espécie de purgatório para salvá-los do mal". Para Boleta, o livro é importante porque é o primeiro documento de grande porte da pixação. "É uma arte contemporânea que precisa ser documentada porque é efêmera. Essa não é minha intenção, mas se o livro ajudar as pessoas a enxergarem a pixação com outros olhos, acho legal", acrescenta.
No alto, entre as duas páginas, exemplos de como a letra "b" pode aparecer nos muros. Do lado direito, no alto, um flyer de uma pixo-party do começo dos anos 90; abaixo, imagens da agenda de Boleta, o evangelho da tipografia de rua paulistana
Boleta Russa Se um dia a pixação será considerada arte e conquistará espaço nas galerias, se a repressão policial vai amenizar, como aconteceu com o nosso grafite, só o futuro irá dizer. "Com certeza ela vai conquistar espaço nas galerias de arte, mas isso vai acontecer primeiro lá fora e depois no Brasil, pra variar", alfineta Xico. "Aqui a discussão do vandalismo é muito forte e vai atrasar esse processo." Boleta, que por sorte – ou azar, depende do ponto de vista – não tem nenhuma passagem pela polícia, garante que a repressão policial continua a mesma. "A parada mais punk que rolou comigo foi quando estava pixando de dia o muro de um terreno baldio. A polícia chegou, me levaram pra dentro do terreno e perguntaram se eu conhecia roleta russa. Achei que os caras estavam só me apavorando. Aí o policial deixou duas balas num tambor de seis, girou, encostou na minha cabeça e TEC. Depois ele falou: ‘Você está com sorte hoje, pode ir embora’", conta Boleta.
Em seu texto para o livro, o fotógrafo João Wainer escreve: "Mas não é só porque acho pixo bonito que digo que é arte. Acho que quem nasce pobre na favela é programado pra ficar quieto, e quando ele deixa de lado o lugar que lhe foi destinado e se expressa através de uma pixação de 20 metros num viaduto, ele está fazendo exatamente o que grandes artistas fizeram através de suas obras: estão incomodando, e a sensação de incômodo é o princípio ativo de toda a arte que se preze". E cita Hakim Bey, o profeta do caos, explicando o Terrorismo Poético: "... faça-o para as pessoas que não perceberão [pelo menos não imediatamente] que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida, mas não seja espontâneo a menos que a musa do Terrorismo Poético tenha se apossado de você. Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime, crime como arte...".
É como Timothy Leary, um cidadão de mente aberta e vanguardista, disse há muitos anos: "O caos é lindo". Então, já que ele está instalado completamente nas grandes cidades, trate de apreciá-lo. Até porque se a pixação não existisse, os outdoors clandestinos, as faixas e placas penduradas de surdina, a propaganda política e a de consumo continuariam invadindo o seu campo de visão sem pedir licença. Aliás, todos os praticantes acreditam que a pixação não vai acabar nunca. "Assim como o Brasil é o país do futebol e os moleques já crescem jogando bola, São Paulo é a terra da pixação e os moleques estão nas escolas públicas fazendo pixo no caderno, na carteira e no banheiro", finaliza o viciado Boleta.