Quando se fechava no estúdio para gravar a voz de "Marcelo D2 canta Bezerra da Silva" (EMI), o rapper não pensava em Bezerra. Ele conta que sua identificação com as palavras cantadas pelo sambista é tanta que ele esquecia completamente o intérprete original e abordava as músicas como se fossem suas. Assim, naturalmente, capturou os versos para seu universo e seu tempo, recontextualizando-os. Aí reside a grande novidade do CD - no mais, dos arranjos à interpretação, ele é fidelíssimo ao espírito de Bezerra.
Bezerra costumava se defender das críticas cantando. De certa forma, fiz o mesmo - diz D2. - Falam que eu sou vendido e tal, mas eu fui para a cadeia, falei de maconha na frente da polícia, falo até hoje. "Desabafo" toca em tudo que é rádio e fala de bagulho. Quando canto "Bicho feroz" (versos como "Você com um revólver na mão é um bicho feroz/ Sem ele anda rebolando e até muda de voz" soam como recado direto aos "rappers" da linha "gangsta-enfezada", velhos desafetos de D2) ou "Partideiro sem nó na garganta", estou dando uma resposta a muita gente. "Eu sou eu, partideiro indigesto sem nó na garganta" (canta)... Muitos dizem que são indigestos, mas são aceitos no mundinho do rap. Eu não, todo mundo tem que me engolir.
Pela primeira vez gravando um disco tradicional de samba - sem fusões, sem DJ, sem busca de batida perfeita -, D2 "cutuca a ferida" ("Como Bezerra fazia", ele nota) das diferenças que ele vê entre os dois universos pelos quais circula desde cedo, o samba e o rap:
- Minha mulher reclama que quando vai a uma festa de rap, a olham de cima a baixo, mas no samba puxam cadeira para ela sentar e trazem cerveja. No samba não tem ti-ti-ti, cada um cuida da sua vida. No rap é battle (batalha) o tempo inteiro, B-boy contra B-boy, MC contra MC, "eu sou melhor que você"... Tem um lado bom, a força do rap vem daí, mas tem hora que cansa. Procuro tirar o melhor dos dois mundos, da competitividade do rap e da camaradagem do samba.
Por tudo isso, D2 não teme reações do mundo do samba ao seu mergulho no gênero:
- Já se fez tudo no samba, ele é muito aberto. O rap é bem mais complicado. Se chega um músico de jazz no samba, eles chamam para a roda. No rap, vão achar que o cara chegou para roubar. Queria que o rap tivesse a liberdade do samba. Deixa o menino brincar - diz, citando Jorge Ben Jor. - Mas já foi bem pior. Há dez anos, para falar "rap" você tinha que ter carteirinha do sindicato.
A capa do CD, à primeira vista, traz um tanto do tal caráter "indigesto" do rapper - D2 crucificado em frente à favela, com microfones simulando armas e plugues como balas. Mas ela na verdade suaviza a clássica capa que a inspirou, do disco "Eu não sou santo" - na original, Bezerra portava armas mesmo.
- Não é questão de aliviar. São outros tempos - avalia D2. - Por outro lado, Bezerra falava da maconha em letras cifradas, eu falo abertamente "Eu canto assim porque eu fumo maconha".
"Marcelo D2 canta Bezerra da Silva" abre trazendo uma atmosfera de battle de que o rapper fala. "Se não fosse o samba" e "Partideiro sem nó na garganta" são canções em primeira pessoa, de apresentação, com doses de marra. Depois, em 14 faixas (há uma extra, um texto de D2 para Bezerra), ele dá um panorama da obra do sambista.
- Bezerra tem muita música de malandro, de dedo-duro, de sogra, de favela, de bagulho... Procurei cobrir todos os assuntos. E sem querer fazer trabalho de arqueólogo, buscar músicas desconhecidas. Pô, se o cara compra um CD de Marcelo D2 cantando Bezerra e não tem "Malandragem dá um tempo", ele vai ao Procon - brinca.
A ideia de gravar o CD vem desde a morte de Bezerra, em 2005, mas tomou forma no início de 2010, numa conversa de D2 com Leandro Sapucahy (produtor do disco). Decidiram que seria um álbum de samba, com o jeito do Bezerra (coros femininos, atabaques na frente) e entraram em estúdio. Em dois dias gravaram as bases, em sete registraram a voz do rapper - agora cantor.
- Não fiz preparação nenhuma, foi tranquilo. Canto essas músicas há muito tempo.
Para o show, D2 quer mais que simplesmente levar as músicas ao palco:
- Vi "Fela!" (musical da Broadway sobre Fela Kuti) e viajei nessa ideia de fazer algo grande, apresentando o Bezerra, com coro de dez mulheres dançando e rodando... Mas tem que fumar mais maconha para definir como vai ser.
Bezerra costumava se defender das críticas cantando. De certa forma, fiz o mesmo - diz D2. - Falam que eu sou vendido e tal, mas eu fui para a cadeia, falei de maconha na frente da polícia, falo até hoje. "Desabafo" toca em tudo que é rádio e fala de bagulho. Quando canto "Bicho feroz" (versos como "Você com um revólver na mão é um bicho feroz/ Sem ele anda rebolando e até muda de voz" soam como recado direto aos "rappers" da linha "gangsta-enfezada", velhos desafetos de D2) ou "Partideiro sem nó na garganta", estou dando uma resposta a muita gente. "Eu sou eu, partideiro indigesto sem nó na garganta" (canta)... Muitos dizem que são indigestos, mas são aceitos no mundinho do rap. Eu não, todo mundo tem que me engolir.
Pela primeira vez gravando um disco tradicional de samba - sem fusões, sem DJ, sem busca de batida perfeita -, D2 "cutuca a ferida" ("Como Bezerra fazia", ele nota) das diferenças que ele vê entre os dois universos pelos quais circula desde cedo, o samba e o rap:
- Minha mulher reclama que quando vai a uma festa de rap, a olham de cima a baixo, mas no samba puxam cadeira para ela sentar e trazem cerveja. No samba não tem ti-ti-ti, cada um cuida da sua vida. No rap é battle (batalha) o tempo inteiro, B-boy contra B-boy, MC contra MC, "eu sou melhor que você"... Tem um lado bom, a força do rap vem daí, mas tem hora que cansa. Procuro tirar o melhor dos dois mundos, da competitividade do rap e da camaradagem do samba.
Por tudo isso, D2 não teme reações do mundo do samba ao seu mergulho no gênero:
- Já se fez tudo no samba, ele é muito aberto. O rap é bem mais complicado. Se chega um músico de jazz no samba, eles chamam para a roda. No rap, vão achar que o cara chegou para roubar. Queria que o rap tivesse a liberdade do samba. Deixa o menino brincar - diz, citando Jorge Ben Jor. - Mas já foi bem pior. Há dez anos, para falar "rap" você tinha que ter carteirinha do sindicato.
A capa do CD, à primeira vista, traz um tanto do tal caráter "indigesto" do rapper - D2 crucificado em frente à favela, com microfones simulando armas e plugues como balas. Mas ela na verdade suaviza a clássica capa que a inspirou, do disco "Eu não sou santo" - na original, Bezerra portava armas mesmo.
- Não é questão de aliviar. São outros tempos - avalia D2. - Por outro lado, Bezerra falava da maconha em letras cifradas, eu falo abertamente "Eu canto assim porque eu fumo maconha".
"Marcelo D2 canta Bezerra da Silva" abre trazendo uma atmosfera de battle de que o rapper fala. "Se não fosse o samba" e "Partideiro sem nó na garganta" são canções em primeira pessoa, de apresentação, com doses de marra. Depois, em 14 faixas (há uma extra, um texto de D2 para Bezerra), ele dá um panorama da obra do sambista.
- Bezerra tem muita música de malandro, de dedo-duro, de sogra, de favela, de bagulho... Procurei cobrir todos os assuntos. E sem querer fazer trabalho de arqueólogo, buscar músicas desconhecidas. Pô, se o cara compra um CD de Marcelo D2 cantando Bezerra e não tem "Malandragem dá um tempo", ele vai ao Procon - brinca.
A ideia de gravar o CD vem desde a morte de Bezerra, em 2005, mas tomou forma no início de 2010, numa conversa de D2 com Leandro Sapucahy (produtor do disco). Decidiram que seria um álbum de samba, com o jeito do Bezerra (coros femininos, atabaques na frente) e entraram em estúdio. Em dois dias gravaram as bases, em sete registraram a voz do rapper - agora cantor.
- Não fiz preparação nenhuma, foi tranquilo. Canto essas músicas há muito tempo.
Para o show, D2 quer mais que simplesmente levar as músicas ao palco:
- Vi "Fela!" (musical da Broadway sobre Fela Kuti) e viajei nessa ideia de fazer algo grande, apresentando o Bezerra, com coro de dez mulheres dançando e rodando... Mas tem que fumar mais maconha para definir como vai ser.
Fonte: O Globo
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